– Olhaláa. Ele caiu!
– Será que bateu com a cabeça?
– Talvez, talvez.
– Terá morrido?
– Não, não. Será?
– Parece que desmaiou.
– Vai ver, entrou em coma. Já vi alguém assim. Pode vegetar durante anos.
– Precisamos levantá-lo!
– Melhor, não... e se...
– É isso aí. Ninguém toque nele!
– É, poderia machucá-lo ainda mais. Não é?
– Mas não é certo deixá-lo aí, assim.
– Vamos ter que erguê-lo, então.
– Como ele é grande! Nossa!
– Isso, pega por aí.
– Vamos: foorçaa!
– Como é desajeitado.
– E enorme.
– Assim, não vamos conseguir.
– Seria o caso de pedir ajuda?
– Não. Vamos tentar novamente.
– Peguem, peguem: isso! Por aí mesmo, pelas rodas.
– Mas elas estão frias.
– E sujas.
– Ele é muito grande... e moole.
– Fooi, agora: Uuupa!
– Não dá, não dá. O que é que vamos fazer?
– Deixá-lo aí, assim, simplesmente não é correto.
– Tentar despertá-lo?
– Mas, como?
– E se ele morreu?
– Será?
– Melhor esperar.
– Mas esperar o quê, afinal?
A discussão prossegue, insolúvel. Chegam mais alguns curiosos. Movimentam-se meio desordenadamente à sua volta. Tocam nele, um tanto desconfiados, receosos de que ele se acorde, levante sua desengonçada estrutura e os devore sem mais aquela. Em todo o caso, está atrapalhando o trânsito. É preciso fazer algo. Uns têm a ideia de arredá-lo um pouco de lado. Está obstruindo a passagem. O corredor já era estreito, e agora essa!
É impossível: muito pesado, todo torto, sem jeito de ser erguido ou mesmo desviado. Os menos escrupulosos continuam, ainda assim, saltando-lhe por cima, tropeçando em seu protuberante narigão azul, chutando as saliências que lhe avultam do rosto robusto e poroso. Nem ligam. E ele continua ali, estendido, impassível, passivo, sem o menor esboço de reação.
Forma-se, ao seu redor, como que uma vazia massa de sombras e vozes, numa mistura de sonoridades indistintas, sem forma, desfiguradas, produzindo uma neblina de hálitos sobrepostos logo acima das suas narinas abertas, mas inertes, que não podem absorver coisa alguma. E logo aquele movimento vai ficando disperso, distante, confus
O conto "Corpanzil” foi publicado originalmente no livro “Contraencontro” (Ed. Insular, 1999].
Muito bom, esse miniconto. Show de bola: a dança do diálogo, o mistério do começo ao fim...
"E logo aquele movimento vai ficando disperso, distante, confus"